terça-feira, 24 de setembro de 2013

Crianças estrangeiras e clandestinas no Acre

Por Renata Mariz, do Correio Braziliense

Em Brasiléia, há 82 meninos e meninas, a maioria do Haiti, que estão no Brasil sem responsável legal. Conselho tutelar não consegue atender a demanda no município
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Nem só de acomodações precárias, pouca comida, falta de trabalho e indisposição com a população local são feitos os desafios da política imigratória brasileira de recebimento dos haitianos. Em Brasiléia, no sul do Acre, principal ponto de chegada dos estrangeiros, uma nova face da situação tem se revelado. Casos de crianças e adolescentes sem os responsáveis legais são cada vez mais frequentes. Só neste ano, 60 meninos e meninas foram atendidos pelo conselho tutelar da cidade — quase o triplo dos 22 notificados em 2012. Um deles, sem qualquer parente no país, fugiu do abrigo onde estava. Outro, que também entrou sozinho clandestinamente no Brasil, aguarda há seis meses um desfecho sobre sua permanência. 
Desacompanhados, tornam-se mais vulneráveis a violações, além de não terem quem responda por eles.
Os dados levantados pelo conselho tutelar de Brasiléia, a pedido do Correio, mostram que a maior parte das 82 crianças e adolescentes estrangeiros identificados sem acompanhante na cidade é formada por homens. Mais de 70% têm entre 12 e 17 anos. Do total, 78 são do Haiti, três do Suriname e um do Equador. Em 73% dos casos, um primo ou uma prima assumiu a guarda provisória do menor. “Muitas vezes, não conseguimos nem verificar se esse parentesco existe porque os haitianos não costumam usar o sobrenome da mãe. Mas encaminhamos os casos para o Judiciário, que tem atuado com o Ministério Público para resolver os problemas”, afirma Sebastião Ferreira Moreira, conselheiro tutelar em Brasiléia.
Moreira explica que os casos chegam ao conselho tutelar, na maioria das vezes, encaminhados pela Polícia Federal ou por funcionários do albergue nos quais estão os haitianos que chegam a Brasiléia. “Isso acontece muito com os que querem viajar para Goiás, Rio de Janeiro ou São Paulo. Aí, percebem que não podem seguir sozinhos, ou mesmo acompanhados por alguém que não seja o legítimo responsável”, diz o conselheiro. A situação se complica, conta Moreira, quando é preciso utilizar o abrigo para crianças e adolescentes do município. “É uma casa improvisada, muito precária, que não atende nem nossa demanda normal, imagine com os estrangeiros.”
Conflito
Promotora de Justiça da Comarca de Brasiléia, Diana Soraia Tabalipa Pimentel afirma que atua nos casos de definição de guarda para “ajudar”. “Não é minha atribuição. Se fossem crianças brasileiras, nascidas aqui, seria de minha responsabilidade. Mas (a recepção dos haitianos) foi um comprometimento do governo federal. Pergunte a eles o que você quer saber”, disse a promotora, ao mencionar que o Ministério Público Federal (MPF) só foi a Brasiléia uma única vez. 
Pedro Kenne, procurador da República no Acre, tem outro entendimento. Ele destaca a existência de uma lacuna na lei brasileira sobre o tratamento dispensando a menores de idade estrangeiros nessa situação, mas argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente “não distingue a nacionalidade” dos seus destinatários. 
Kenne explicou ainda que o Ministério Público Estadual tem mecanismos para o que chama de “declínio” de atribuição ao MPF, “o que, até o momento, não fez”. Para ele, no contexto de ausência de regulamentação clara, a atuação da promotoria do estado, com sede em Brasiléia, é mais adequada, até por “racionalidade administrativa”.
No entanto, o procurador afirmou que o MPF tem atuado na questão dos haitianos, sobre as condições insalubres a que têm sido submetidos, e em relação ao garoto que está em um abrigo sem qualquer responsável no país. Segundo Kenne, crianças e adolescentes são mais vulneráveis, pela própria natureza, do que adultos. Por isso, precisam ter os direitos básicos garantidos.
O malabarista que fugiu
Qualquer objeto voava nas mãos de Felipe*. O equatoriano, mais um adolescente que cruzou sozinho as fronteiras brasileiras na onda migratória rumo ao Brasil, era malabarista. O sonho: trabalhar em um circo no Rio de Janeiro. Impedido de seguir viagem para o Sudeste do país, por ser menor de idade desacompanhado, foi para o abrigo de Brasiléia. Não passou mais do que duas semanas no local. Fugiu, no mês passado, sem deixar qualquer notícia. “Tudo que ele pegava aqui no abrigo era para fazer malabarismo. Acho que deve ter ido mesmo atrás de algum circo”, conta Analda do Rego Albuquerque, psicóloga da casa reservada a crianças e adolescentes que precisam ser retirados das famílias por motivo de violência. Agora, o espaço tem recebido também os estrangeiros. 

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